As aves necrófagas (estritamente e parcialmente necrófagas) são o grupo faunístico mais suscetível ao uso ilegal de venenos, sendo este considerado um dos principais fatores de ameaça para a grande maioria dessas aves em Portugal e, também, na vizinha Espanha, com a qual o nosso país partilha vários núcleos/populações.

No território nacional, todas as espécies de aves necrófagas (com exceção do corvo) estão legalmente protegidas pelo Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril (com nova redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 156-A/2013, de 8 de novembro), que transpõe a Diretiva Aves. No entanto, grande parte delas apresenta um estatuto de conservação desfavorável (mais de metade encontram-se ameaçadas).

Em Portugal, dados do Programa Antídoto (www.antidoto-portugal.org) registaram um total de 506 animais mortos por suspeita de envenenamento entre 1992–2003, dos quais 163 foram espécies de fauna silvestre, entre elas 77 espécies de aves necrófagas e 24 lobos (Programa Antídoto-Portugal, 2004).

Dados mais recentes da mesma plataforma indicam que, ampliando aquele período até 2014, morreram 233 indivíduos de espécies protegidas por ingestão de substâncias tóxicas, entre as quais cerca de 150 aves necrófagas e 29 lobos.

Estes dados são, assim, reveladores do enorme flagelo que é o uso ilegal de venenos e constituem apenas a “ponta do iceberg” de um problema com uma dimensão que se estima muito maior e ainda estudada de forma insuficiente em Portugal.

A perseguição e o abate ilegal de fauna selvagem (incluindo caça furtiva, uso de armadilhas e envenenamento) são uma séria ameaça à conservação da biodiversidade e dos ecossistemas em todo o mundo e em Portugal.

A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza refere o uso de substâncias tóxicas (incluindo o uso ilegal de venenos) como uma grande ameaça global para as populações de, no mínimo, 2 302 espécies de fauna, das quais 42% estão ameaçadas.

O uso de venenos é um método não seletivo que acaba por afetar muitas espécies para as quais não é dirigido, incluindo espécies silvestres ameaçadas e animais domésticos, representando, portanto, uma ameaça para a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas e também um risco sério de saúde pública para as comunidades locais, bem como para os seus animais.

A luta contra o uso ilegal de venenos requer um maior e mais aprofundado conhecimento sobre esta ameaça para a conservação de espécies silvestres, sobretudo daquelas mais afetadas por este problema, nomeadamente as espécies com hábitos alimentares necrófagos, com o objetivo de criar estratégias eficazes para o abordar e combater.

É fundamental obter mais e melhor informação sobre a frequência e distribuição dos episódios de envenenamento, isto porque a sua baixa detetabilidade (estimada em cerca de 10% em Espanha e aproximadamente 20% na Península Balcânica, por exemplo) limita consideravelmente os esforços para fazer face a esta problemática.

Para além das aves necrófagas, o lobo Canis lupus, o lince-ibérico Lynx pardinus e o urso-pardo Ursus arctos, este atualmente extinto em Portugal embora com possibilidade de voltar a ocupar o território nacional num futuro próximo devido ao crescimento dos núcleos populacionais na Cordilheira Cantábrica (norte de Espanha), são igualmente espécies frequentemente afetadas pelo uso ilegal de venenos e que serão beneficiadas por este projeto.

O lobo-ibérico, subsespécie endémica da Península Ibérica, está catalogado como “Em Perigo” em Portugal e o lince-ibérico como “Criticamente em perigo”. Estas espécies estão protegidas legalmente pelo Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril (com nova redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 156-A/2013, de 8 de novembro), que transpõe a Diretiva Habitats.

O lobo-ibérico está também estritamente protegido em Portugal por legislação específica, nomeadamente a Lei n.º 90/88, de 13 de agosto (Lei de Proteção ao Lobo-ibérico) e o Decreto-Lei n.º 54/2016, de 25 de agosto, que a regulamenta.

No norte de Portugal, onde existem importantes populações de aves de rapina predadoras e necrófagas (e.g. águia-real Aquila chrysaetos, grifo Gyps fulvus, britango Neophron percnopterus e milhafre-real Milvus milvus), todas elas altamente suscetíveis ao uso ilegal de venenos, o território apresenta paisagens heterogéneas e é orograficamente complexo, o que dificulta o acesso e a deteção de casos de envenenamento.

Neste tipo de contexto, torna-se imprescindível implementar um sistema que permita obter informação sobre esta ameaça em grande parte do território de forma rápida e eficaz e que seja, ao mesmo tempo, viável em termos económicos e possa ser utilizado para realizar uma monitorização contínua e prolongada no tempo.

A este nível, o uso de espécies-sentinela representa uma excelente alternativa para obter essa informação através de um seguimento passivo da atividade biológica dos animais, possibilitando também uma melhor avaliação daquilo que acontece efetivamente no terreno.